segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Um princípio para o FPSSP?

“A sensibilidade é hoje o campo de batalha político”

Entrevista com Franco Berardi (Bifo), publicada em 29/01/2011, no periódico espanhol Público. Tradução do blog Boca do Mangue.
Franco Berardi (Bifo) é filósofo, escritor e teórico dos meios de comunicação. Envolvido nos movimentos sociais autônomos nos anos setenta, preconizou nos anos oitenta a futura explosão da Rede como vasto fenômeno social e cultural e fundou em 2005 a primeira “televisão de rua” na Itália. Em espanhol publicou “La fábrica de la infelicidad” ou “El sabio, el mercader y el guerrero”. Lançou recentemente o sítio de comunicação th-rough.eu, uma plataforma comunicativa trans-européia onde se encontra política, filosofia e crítica literária e de arte.
A primeira entrevista desta seção, faz já dois anos, que fizemos com ele. Nela falamos sobre a crise que recém começava e Bifo apontou três chaves de orientação teórica e prática: em primeiro lugar, não estamos diante de uma crise puramente financeira, mas de um modelo inteiro de civilização; em segundo lugar, o desenlace do cataclismo econômico é incerto: pode derivar para um “salve-se quem puder” generalizado, assim como para a criação de uma nova cultura de solidariedade e de partilha; por último, a dissolução da esquerda européia é um dado positivo porque nos empurra a pensar e experimentar fora de um marco conceitual e prático que pertence ao século XX. Dois anos depois retomamos a conversa com Bifo sobre o mesmo assunto.

PUBLICO: O que tem se passado nos últimos anos?

BIFO: Sobretudo duas coisas: a esperança Obama se dissolveu e explodiu a crise européia. Uma nova lógica se instalou no coração da vida européia a partir da crise financeira grega. Merkel, Sarkozy e Trichet decidiram que a sociedade européia deve sacrificar seu nível de vida atual, o sistema de educação pública, as pensões, sua civilização inteira para poder pagar as dívidas acumuladas pela elite financeira.

PUBLICO: E o que não tem acontecido? Refiro-me à ausência das grandes lutas sociais que todos esperávamos. Como se explica isso?

BIFO: Durante os últimos dez anos, a precarização geral da vida não só tem fragmentado o tempo de vida e reduzido o salário, mas sobretudo instalou na vida social o domínio do espírito competitivo, com suas conseqüências de agressividade, isolamento e solidão nas pessoas, sobretudo entre os jovens. Os efeitos sobre a sensibilidade são devastadores e estão à vista de todos: depressão de massa, crise de pânico, doenças do vazio etc. Essa des-empatia generalizada explica o atual “salve-se quem puder” diante da crise.

PUBLICO: Você vê alguma saída?

BIFO: Temo que a catástrofe presente não tenha nenhuma solução, a barbárie é a nova ordem social européia. Isso não se pode mudar, podemos apenas desertar. Temos que esquecer a palavra democracia porque não tem nenhuma possibilidade de restaurá-la e, em seu lugar, escrever a palavra autonomia. Autonomia das forças da produção técnica, cultural, criativa: o que eu chamo “cognitariado”. Autonomia significa abandono e esvaziamento do imaginário e dos lugares do trabalho, do consumo, da competência, da acumulação e do crescimento. E a criação de um novo espaço mental e social separado definitivamente do econômico. Esse é para mim o sentido profundo ao qual apontam as primeiras mobilizações contra a crise na Europa (Londres, Roma etc).

PUBLICO: Mas os estudantes tem saído à rua para protestar sobretudo contra o desmantelamento do sistema educativo.

BIFO: Sem dúvida, os estudantes não podem tolerar o fomento organizado da ignorância nos países europeus. Mas eu vejo, além disso, outro elemento a se levar em conta na mobilização furiosa e criativa do mês de dezembro: uma tentativa de re-ativação da dimensão corpórea, física, desejante e sensível das pessoas que compõem a classe cognitária européia. Ou seja, os milhões de estudantes, pesquisadores, engenheiros, analistas de sistema, jornalistas, poetas e artistas que constituem esse cérebro coletivo que é a força de produção crucial e decisiva no tempo presente.

PÚBLICO: Você dá muita ênfase à questão da sensibilidade.

BIFO: Sensibilidade é a capacidade de entender sinais que não são verbais, nem verbalizáveis. É a faculdade de discernir o indiscernível, aquilo que é demasiado sutil para ser digitalizado. Tem sido sempre o fator primário da empatia: a compreensão entre os seres humanos sempre se dá, em primeiro lugar, no nível epidérmico. E aí está, hoje, o campo de batalha político. A intensificação do ritmo de exploração dos cérebros tem posto em colapso nossa sensibilidade, por isso a insurreição que vem será antes de tudo uma revolta dos corpos. Penso em um novo tipo de açao política capaz de tocar a esfera profunda da sensibilidade mesclando arte, ativismo e terapia.

PUBLICO: Por que a arte?

BIFO: Tem uma expressão artística importante na última década que se dedica à compreensão da fenomenologia do sofrimento psíquico. Penso em escritores como Jonathan Franzen e Miranda July, em vídeoartistas como Lijsa Ahtila ou em cineastas como Gus Vant Sant e Kim Ki-Duk. Mas a arte por si só não consegue modificar a realidade, apenas conceitualizá-la e denunciá-la. A arte deve mesclar-se com a política e a política com a terapia.

PUBLICO: Terapia e política, um estranho par, não?

BIFO: Quando o primeiro efeito da exploração capitalista do trabalho cognitivo é o esgotamento nervoso e o sofrimento psíquico, a ação social tem que se propor, antes de mais nada, como terapia mental e relacional. Mas quando falo de terapia não me refiro a uma técnica que reintegre o indivíduo exausto à normalidade do consumo compulsivo e à competição econômica, mas à prática que reativa a sensibilidade e a empatia. A terapia que proponho não é outra coisa que revolta e solidariedade, o prazer dos corpos mesclando-se com outros corpos. As mobilizações dezembro em Londres e Roma tem sido as melhores ações auto-terapeuticas que se possa imaginar. Melhor que um milhão de psicanalistas.

PUBLICO: Para encerrar, peço umas palavras sobre a situação italiana.

BIFO: Dois processos de barbarização se somam na Itália. Por um lado,  um grupo de criminosos notórios, de fascistas mafiosos e racistas estão desmontando a estrutura institucional e moral do país. E por outro, tem uma aplicação sistemática das diretrizes neoliberais e monetaristas da União Européia. Não tem solução italiana para a situação italiana. Mas, eu já não sou italiano. Os estudantes italianos já não são italianos, muitos tem deixado o país e vivem em Londres, Berlim, Barcelona ou Paris. Somos europeus porque sabemos muito bem que só a nivel europeu se pode criar uma nova forma política adaptada à riqueza da inteligência coletiva. Só uma insurreição européia pode abrir um novo horizonte à sociedade italiana.

Ref. http://bocadomangue.wordpress.com/2011/01/30/%E2%80%9Ca-sensibilidade-e-hoje-o-campo-de-batalha-politico%E2%80%9D/

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