CARTA DE REPÚDIO À PROPOSTA DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE ADULTOS PELA PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO
Nós, entidades e movimentos sociais que integram a Frente Estadual de
Drogas e Direitos Humanos do Rio de Janeiro (FEDDH), articulada com a
Frente Nacional de Drogas e Direitos Humanos (FNDDH), viemos a público
repudiar as últimas declarações do prefeito da cidade do Rio de Janeiro
sobre a continuidade e expansão da política de internação compulsória,
que agora, além das crianças e adolescentes em situação de rua, deverá
incluir adultos.
Defendemos uma
política inclusiva, humanizada,
não discriminatória e que garanta o direito à saúde, à liberdade, à
integridade e à dignidade das pessoas em situação de rua, em uso de
drogas ou não, em oposição às medidas da atual administração municipal
de defesa da ordem pública travestidas por um discurso de proteção ao
direito à saúde e à vida dos usuários de drogas. Somos contrários às
operações de recolhimento e à utilização abusiva e indiscriminada das
internações compulsórias que, ademais de tratar essas pessoas de forma
massificada e expô-las a toda forma de abuso, negligência, maus tratos e
violência, consomem os recursos públicos que deveriam estar sendo
utilizados para financiar os serviços abertos, inclusivos, de base
comunitária, investir nos recursos humanos adequados para tanto e
viabilizar a construção de projetos terapêuticos individualizados que
promovam a autonomia, a cidadania e a inclusão social.
Alinhados aos princípios da Reforma Psiquiátrica brasileira, r
epudiamos as medidas baseadas na ampliação de leitos psiquiátricosem
instituições asilares ou fechadas, estigmatização, privação de liberdade
e institucionalização e exigimos o cumprimento do disposto no Artigo 4º
da Lei 10.216/2001 que estabelece que "A internação, em qualquer de
suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares
se mostrarem insuficientes".
Atualmente, a cidade do Rio de Janeiro
possui um CAPSad (Centros de Atenção Psicossocial para usuários de
álcool e outras drogas) para cada um milhão e 200 mil habitantes. Para
que se tenha uma ideia, no município de Recife essa proporção é de um
CAPSad para cada 250 mil habitantes. Entendemos que o redirecionamento
de recursos para o financiamento de internações compulsórias, além de
atingir o direito dessas pessoas a receber atenção integral em serviços
orientados à reinserção social, contraria as diretrizes preconizadas nas
políticas nacionais de saúde mental, assistência social e combate à
tortura e fere os compromissos assumidos pelo Brasil na prevenção,
promoção e proteção da saúde mental e dos direitos humanos.
Como
entidades e movimentos sociais com atuação nos campos da infância e
adolescência, saúde, assistência social, cultura, educação, esporte,
luta antimanicomial, movimento negro, população em situação de rua,
egressos penais e nos conselhos profissionais e universidades,
defendemos a necessária ampliação e fortalecimento da rede pública de
políticas sociais, em conformidade com o aparato legal e institucional
regulamentados pelos Conselhos Nacionais e Ministérios da Saúde,
Desenvolvimento Social e Combate a Fome e demais instâncias existentes.
Exigimos:
A ampliação e o fortalecimento da rede de atenção psicossocial, com a
abertura de mais CAPS, CAPSad, CAPSi, principalmente na modalidade III
(24 horas) e outros serviços da rede que possam prover cuidados de
urgência, emergência, atenção hospitalar, Residências Terapêuticas,
Centros de Convivência e Unidades de Acolhimento Infanto-Juvenil e de
Adultos;
O incremento das equipes da Estratégia de Saúde da Família e
dos Consultórios na Rua, bem como dos NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da
Família), como estratégia prioritária no trabalho com os usuários de
drogas, diretamente nos seus territórios;
A ampliação da rede de
serviços da assistência social, em cumprimento à Tipificação Nacional
dos Serviços Socioassistenciais instituída na Resolução 109 do CNAS,
como, por exemplo, os CREAS (Centros de Referência Especializados da
Assistência Social) e o CENTRO POP.
Garantia de financiamento de
políticas públicas nas áreas de cultura, educação, esporte e lazer com a
criação de projetos e programas que tratem a questão de forma
transversal em parceria com escolas, universidades, Pontos de Cultura,
Segundo Tempo, entre outros.
Da mesma forma, exigimos que, na
atenção e no desenvolvimento de ações pelo poder público junto à
população de rua identificada como usuária de crack e outras drogas,
haja consonância com os princípios da atenção integral e da
intersetorialidade das diferentes políticas (educação, trabalho,
habitação, esporte e lazer, cultura, saúde, assistência social, dentre
outras), garantindo o acesso da população aos diferentes direitos. As
políticas públicas voltadas a esta parcela da população devem respeitar a
dignidade e a garantia dos direitos humanos, não sendo pautadas na
repressão e na segregação.
Existem alternativas concretas para o
atendimento humanizado e pautado na garantia de direitos da população. A
Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos cobra das autoridades
públicas a abertura de espaços de diálogo e interlocução com os
diferentes atores sociais, procedimento apropriado no Estado Democrático
de Direito.
Rio de Janeiro, 24 de outubro de 2012.
Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos – Rio de Janeiro
ABL
ABGLT
Coletivo de Mulheres Feministas
ABRASME
Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População de Rua e de catadores de material reciclável - CNDDH/RJ
CRESS/RJ-Conselho Regional de Serviço Social
CRP/RJ-Conselho Regional de Psicologia
Grupo Tortura Nunca Mais/RJ
Justiça Global
Movimento D'ELLAS
Movimento Nacional de População de Rua-MNPR
NEPS/Faculdade de Serviço Social/UERJ
Núcleo Estadual do Movimento da Luta Antimanicomial
Projeto Tranversões-ESS/UFRJ
Rede Rio Criança
Assinam também:
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ
Conselho Federal de Psicologia - CFP
Conselho Federal de Serviço Social – CFESS
KOINONIA
Maria Helena Zamora – Professora do Instituto de Psicologia da PUC/RJ
29 de outubro de 2012
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